A resposta mais direta poderia ser: os professores formam valores
quando transformam pessoas. Mas creio que só isto não basta. Por outro lado,
também penso que não se faça possível uma demarcação clara entre uma coisa e
outra.
A insistência em separar ensino de formação não
se constitui num mero artefato teórico, mas retoma a necessidade de compreender
as diferenças entre estas duas dimensões do processo educativo na organização do
trabalho pedagógico, mesmo que muitas vezes caminhem juntas no cotidiano das
instituições escolares. Mas, há situações em se conformam dois campos de ações
pedagógicas distintas, que podem se desenvolver simultaneamente. Eu penso que
são processo com identidades distintas, que, no limite, altera a identidade de
todo o processo pedagógico.
A minha provocação, deve-se a práticas que vejo
em muitas escolas nas quais as pessoas tende a incluir os valores e padrões de
conduta como “mais alguns conteúdos” e com a natureza não distinta dos
demais.
Esta visão inclusive está presente na tradição
curricular brasileira, pois desde de 1925 os valores e condutas constituíam uma
disciplina a parte e geralmente associada ou articulada ao civismo (a antiga
Educação Moral e Cívica).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para
o Ensino Fundamental, de certa forma, romperam esta tradição. A primeira versão
dos PCNs, apresentou um documento denominado “Ética e convívio social”, distinto
dos Blocos de Conteúdos (Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, Ensino da
Arte, Educação Física, Ciências Naturais e História). Nas versões mais recentes,
inclusive na definitiva foram nomeados de “Temas Transversais”. Portanto, os
PCNs para o Ensino Fundamental apresentam dois programas, um de ensino (os
Blocos de Conteúdos) e outro de formação de valores e condutas (os Temas
Transversais).
A escola brasileira, no entanto, lidou mal com
isto. Numa primeira fase, não foram poucas as escolas que incluíram disciplinas
com a mesma denominação dos Temas Transversais (principalmente Ética, Meio
Ambiente, Saúde e Orientação Sexual). Depois, ao perceberem que não se tratava
de disciplinas passam a organizar os Blocos de Conteúdos através de temas
geradores com os mesmo títulos dos Temas Transversais, organizando as atividades
e seqüências didáticas com base nos temas da Ética, da
Orientação Sexual
etc.
As instituições escolares produzem belos
trabalhos sobre orientação sexual, mas que tratam apenas do aparelho reprodutor
humano, das formas de prevenção da gravidez ou doenças sexualmente
transmissíveis. Estudam as diferentes formas de reciclagem do lixo ou apresentam
instigativas propostas para resolução de problemas sociais.
Estas questões são importantes, mas pertencem ao
domínio da disciplina de Ciências Naturais ou de Geografia. O seu estudo, sem
dúvida, ajuda a formar valores ou a mudar condutas, mas não havendo ações
dirigidas para isto, continuamos a ensinar, portanto no campo dos blocos de
conteúdos e não a formar valores.
As ações transversais precisariam se constituir
de ações dirigidas com objetivos permanentes e reincidentes para que de fatos os
alunos e alunas mudem posturas. Como no caso da orientação sexual, não se trata
apenas de “relações sexuais”, mas das formas como os alunos representam as
questões sexuais e com se relacionam entre si, não no sentido estritamente
sexual do termo. Os processos pedagógicos devem promover tanto apresentação de
informações como também em constituir uma noção de prazer, de relacionamento
entre pessoas, de concepção de afetividade etc.
As atividades de tipo “ensino” podem reforçar ou
“abrir caminho”, mas não garantem isoladamente a formação de valores. Uma aluna,
do curso de pedagogia, certa vez comentou que ao ensinar sobre valores para os
seus alunos de primeira série ela ficava bastante frustrada, pois estas crianças
respondiam corretamente (nas atividades por escrito e oral) o que eram os
valores. No entanto ela percebia que estes alunos não praticavam estes (ou
alguns destes) mesmos valores.
Cabe então perguntar: em que medida determinada
atividade consegue atingir os alunos e como podemos avaliar estas mudanças? Em
muitos casos, penso eu, os alunos aprendem a responder o que o professor deseja
ou espera. Assim parece-me comum às situações em que alunos concordam com as
posições dos professores, mas não chegam a internaliza-las.
Certa vez eu fui encarregado pelos colegas de
submeter os alunos e alunas do colégio, em que trabalhava, a um questionário
sobre participação em movimentos sociais.
Por engano entreguei os questionários ao
professor de geografia e de história de uma mesma turma da oitava série. Por
alguma razão eles não avisaram o professor que já haviam respondido o
questionário e tornaram a fazê-lo.
Isto não me pareceu grave pelo contrário vi nisto
até uma boa situação, pois poderia excluir os questionários respondidos de forma
insatisfatória.
Mas fiquei muito surpreso ao perceber que a
maioria da turma adotava dois discursos distintos, um para cada professor. Para
um dos professores afirmavam que as pessoas deveriam ir a luta, recusarem-se a
ser exploradas etc. Para o outro as respostas estavam associadas à
responsabilidade, a ordem, a legalidade. Em ambos os casos pareciam (e de fato o
eram) que os professores falavam pelo texto dos alunos. Aqui está um caso em que
os alunos “aprenderam” sobre valores mas não os internalizaram.
Mas isto não significa que não devemos falar
sobre ou ensinar valores. Precisamos compreender que este processo tem um
alcance formativo limitado, podendo evidentemente contribuir com os alunos que
potencialmente tendem para aquele valor, em função de suas próprias
concepções.
Vou propor algo um tanto perigoso – vamos ensaiar
uma pequena tipologia para o ensino e/ou formação de valores:
[a] o professor trata de valores em sala de aula,
mas os alunos não refletem estes valores;
[b] os alunos dizem concordar com
as posições do professor, mas este percebe que isto não ocorre de fato;
[c]
os alunos ficam sensibilizados, mas passando um certo tempo distanciam dos
valores e condutas “aprendidos”; e
[d] alunos que já estavam sensibilizados
ou que o são fortemente influenciada pela atividade dirigida pelo professor
internalizam o valor ou a conduta.
As atividades de tipo ensino – com explanação,
análise critica, exames de metáforas, por exemplo –, sobre valores até alteraram
o comportamento imediato dos alunos, mas estas mudanças podem não se sustentar.
Mas esta sensibilização pode vir a se constituir num processo formativo caso
seja potencializado por outras atividades permanentes e reincidentes. Com isto
refiro-me a atividades dirigidas pelos professores que visam desestabilizar
certos valores ou condutas ou então reforçar outros que ocorrem ao longo do
processo escolar – daí o conceito de transversalidade. Muitas vezes não são
atividades explicitas, mas indiretas, como atividades cooperativas. Outras vezes
são atividades mobilizadoras como, por exemplo, a organização de campanhas para
que as comunidades ou a escola passem a separar o lixo.
Ainda temos que examinar a situação de
justaposições entre pontos dos blocos de conteúdos (ou disciplinas escolares)
com itens dos Temas Transversais. Por exemplo, é comum ensinar sobre o sistema
reprodutivo humano achando que está praticando o tema de orientação sexual;
ensinar sobre preconceito em situações históricas como se tratasse da
multiculturalidade. Embora as estas informações sejam importante para o tema
transversal elas estão ligadas à disciplina de Ciências da Natureza ou de
História, respectivamente. O referido tema transversal requer a problematização
das condutas e valores sobre sexualidade e discriminação, que pode necessitar
dos pontos de disciplinas. Mas os resultados são distintos, pois aprender sobre
o sistema reprodutivo não garante que as pessoas vão internalizar certos valores
e condutas sobre a sexualidade. Já o processo formativo (e neste sentido
transversal) para mudar valores pode requerer que se ensine sobre o sistema
reprodutivo humano. Ainda um outro exemplo: ensinar sobre a Amazônia,
poluição,desmatamento etc, não muda a cultura das pessoas para uma atuação
preservacionista e não predatória da natureza e pode sensibilizar, mas
efetivamente pode não formar valores ambientalistas.
A formação de valores e condutas se constitui num
importante dilema pedagógico, pois está na essência de todo processo educativo.
Portanto é necessário examiná- lo com intensidade pois sem ele não se produz os
processos educativos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário